Por Erivaldo Marques Pereira(*)
Neste dia 1º de julho de 2024, a Lei Federal nº 14.181/21, conhecida como “Lei do Superendividamento”, completa três anos de existência.
A respeito disso, importa destacar que a Constituição Federal, ao prever, na parte dos direitos fundamentais (art.5, XXXII), a defesa do consumidor, e, bem assim, a Lei Federal nº 8.078/90, que disciplina o Código de Defesa do Consumidor, reconhecer a vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo (art.4, I), e, sobretudo, com as alterações dadas pela Lei Federal nº 14.181/21, que disciplina a concessão de crédito ao consumidor e estabelece regras de prevenção e tratamento do superendividamento, não nos resta dúvida de que é obrigação do Estado assegurar a proteção e defesa do consumidor, em todas as circunstâncias, inclusive, para aqueles que se encontram em situação de endividados e, especialmente, de superendividados.
A ideia da defesa do consumidor superendividado está diretamente relacionada com o princípio da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos do Estado democrático de Direito, nos termos do artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988.
Numa sociedade consumista, a exemplo da nossa, onde o excesso de ofertas de créditos, produtos e serviços é uma constante, aliado a uma nítida escassez de educação para o consumo e educação financeira, os consumidores, sobretudo, os mais incautos, acabam comprando e gastando mais do que podem.
Nessa perspectiva, a Lei nº 14.181/21 propôs alterações na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (CDC) e na Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), com o intuito de aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o sobre o tratamento do superendividamento. Destacando-se, portanto, que além consumidor vulnerável, o idoso, tem sido hiper vulnerável, conquanto, presa fácil de empresas que agem até de forma criminosa, para lhes impingir créditos consignados.
A Lei nº 14.181/2021 trouxe diversas inovações relevantes no âmbito do direito do consumidor, impondo uma série de obrigações e deveres aos fornecedores e intermediários de crédito envolvidos em contratos de consumo.
Na realidade, que pese a grande importância dessa lei para a população brasileira e o tempo já transcorrido desde a sua publicação, ainda precisamos evoluir muito, pois segundo dados da CNC (Confederação Nacional de Comércios, Bens, Serviços e Turismo), de cada 10 brasileiros, oito se encontram endividados.
Sabe-se que a Lei do Superendividamento foi criada para disciplinar a concessão de crédito ao consumidor e estabelecer regras de prevenção e tratamento do superendividamento, entretanto, apesar de ser um instrumento muito poderoso, ainda não está atingindo o seu objetivo, pois mais de 70 milhões de consumidores brasileiros se encontram em situação de endividamento e superendividamento.
O cartão de crédito tem sido o maior responsável pela inadimplência.
Vale esclarecer que um indivíduo ou uma família endividada é aquele ou aquela que assumiu um pagamento e está com parte considerável da renda do mês comprometida, seja para o pagamento de um financiamento, um crediário, a fatura do cartão de crédito, etc, restando-lhe poucos recursos para as demais demandas do mês (água, energia, telefone, transporte, medicamentos, etc).
O endividamento é sempre um alerta, pois diante de um imprevisto financeiro a família, que se encontra com a capacidade de pagamento comprometida, pode, a qualquer momento, se tornar inadimplente. Por isso mesmo, o endividamento no Brasil representa um ponto de atenção para a economia. Quando aumenta o endividamento da população, crescem também os riscos dos bancos e o custo do crédito, além de outros impactos como redução do padrão de vida, perda de patrimônio, etc.
Vale esclarecer, ainda, que o superendividamento, por sua vez, é a situação de um indivíduo de boa-fé que não tem condições de pagar a totalidade de suas dívidas sem comprometer o mínimo existencial, conforme bem expressa o art. 54-A[1], § 1º, do CDC.
Superendividado é, assim, aquele que está na impossibilidade de garantir o seu sustento mínimo e o de sua família. É aquele que adquiriu dívidas de boa-fé, ou seja, tinha intenção de pagar as dívidas contraídas, mas por razões outras, ficou inadimplente. É também aquela pessoa que tentou, por todos os meios, tentar uma renegociação com o credor e não obteve êxito, sobretudo, para os débitos de consumo e decorrentes do atendimento de suas necessidades básicas.
A Lei nº 14.181/21 permite ao consumidor, o qual possui dívidas com vários credores, fazer uma negociação única, criando um plano de pagamentos compatível com a realidade financeira dele. É nesse parcelamento que a lei garante que a negociação sempre preservará um valor necessário para a sobrevivência: o chamado mínimo existencial.
O superendividado, como já dito, é aquele consumidor que não consegue pagar suas dívidas e garantir, ao mesmo tempo, o sustento mínimo para si e sua família. Ou seja, alguém que não tem renda suficiente para colocar os atrasos em dia sem que isso comprometa ou impossibilite bancar despesas básicas, como alimentação, moradia e saúde.
Com essa lei, que completa três anos de existência, pessoas superendividadas têm a possibilidade de reorganizar as finanças e superar a inadimplência com proteção, inclusive, do Poder Judiciário, buscando-se garantir o mínimo de dignidade.
Em 19 de junho de 2023, foi publicado o Decreto Federal nº 11.567, que elevou o mínimo existência de R$ 303,00 para R$ 600,00, considerando, portanto, como mínimo existencial a renda mensal do consumidor pessoa natural equivalente a, no mínimo, R$ 600,00.
Por derradeiro, e como forma de assegurar os direitos dos consumidores, mister esclarecer que o Procon/MS possui, desde agosto de 2020, à disposição dos interessados, um Núcleo Permanente de Atendimento ao Consumidor Endividado e Superendividado, chamado de NUPACES, o qual já atendeu milhares de consumidores, tendo realizado centenas de acordos e de renegociações entre consumidores e fornecedores.
O Núcleo Permanente de Atendimento ao Consumidor Endividado e Superendividado/NUPACES também presta serviço de orientação financeira para pessoas em situação de endividamento e superendividamento.
Dicas: Faça planejamento financeiro: coloque no papel todos os gastos e também todo o dinheiro que entra; faça as contas; avalie bem as maiores necessidades e evite compras desnecessárias, inclusive, nos supermercados; faça pesquisa de preços; economize; evite desperdícios; se informe sobre seus direitos de consumidor; se estiver em situação de endividamento ou superendividamento procure apoio administrativo ou judicial junto aos órgãos de proteção e defesa do consumidor.
Atualmente, o Procon/MS atende na Rua Padre João Crippa, nº 3115, Bairro São Francisco, Campo Grande/MS.
[1] § 1º Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação
(*) Erivaldo Marques Pereira é coordenador da Cogep (Coordenadoria de Gestão de Processos) do Procon/MS (Secretaria Executiva de Orientação e Defesa do Consumidor).
Foto: Kleber Clajus